quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Consuelo Albergaria I



"Se quem modela o mundo do grande sertão é Riobaldo, através da sua linguagem, quem modela Riobaldo e o seu mundo é o próprio Guimarães Rosa e tanto o faz dentro do texto de Grande sertão: veredas como retifica e controla a visão do leitor por meio de dados contextuais. Auxiliado por estes, Rosa mantém o domínio do seu discurso, marca a sua presença e orienta a leitura de sua obra segundo os seus próprios critérios. Negando a afirmação literal que faz a Günter Lorenz, Rosa dá as coordenadas para a leitura de Grande sertão: veredas, na tentativa de evitar que as interpretações do seu romance marchem à deriva:


'Rosa: Conforme o sentido você dizia que em Grande sertão: veredas eu havia liberado a vida, o homem, von der Last Zeitkichkeit (liberado do peso da temporalidade). É exatamente isso que eu queria conseguir. Queria libertar o homem desse peso, devolver-lhe a vida em sua forma original.'


[...]


'Rosa: ... Considero a língua como meu elemento metafísico;


[...]


Rosa: O idioma é a única porta para o infinito;


[...]


Lorenz: Você tem alguma coisa contra os filósofos?
Rosa: Tenho. A filosofia é a maldição do idioma. (...) Portanto, volto a repetir, não do ponto de vista filológico e sim do metafísico, no sertão fala-se a língua de Goethe, Dostoievski e Flawbert, porque o sertão é o terreno da eternidade, da solidão (...) Eu diria mesmo que, para a maioria das pessoas, e não me excluo, o cérebro tem pouca importância no decorrer da vida. O contrário seria terrível: a vida ficaria limitada a uma única operação matemática, que não necessitaria da aventura do desconhecido e inconsciente, nem do irracional. Mas cada conta, segundo as regras da matemática, tem um resultado. Estas regras não valem para o homem, a não ser que não se creia na sua ressurreição e no infinito. Eu creio firmemente. Por isso também espero uma literatura tão ilógica como a minha, que transforme o cosmo num sertão no qual a única realidade seja o inacreditável",


Consuelo Albergaria, O Bruxo da linguagem no grande sertão, p.21-22.

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